A primeira vez que meu olhar cruzou com o de Alice, depois
daquele término, tremi. Era um lugar muito pequeno e apertado para o meu incômodo. Ela não falou comigo,
exatamente como eu a obriguei, e isso
me ofendeu, porque Alice nunca fazia o que eu pedia, e
dessa vez o fez. Foi
dolorido vê-la linda, sorridente e comunicativa aos demais,
exceto a mim, e fui eu quem quis assim.
Não era pra Alice ter ido embora, mas
não havia outro desfecho para a nossa história. No fundo ainda
esperava que ela voltasse e que me procurasse, como
sempre fez, ou que retornasse ao meu pedido de desculpas. Mas ela
seguiu tranqüila, conformada e confiante,
sem voltar atrás. Pior, levou-me com isso a razão, que sempre insistia em ter, deixou-me a certeza de que não a tinha. Eu estava
farto de Alice, das coisas de Alice, mas quando a vi assim,
indo embora sem o menor ressentimento, foi
preciso me agarrar ao que dava, para manter minha auto-estima intacta.
Até hoje
não consigo cruzar meu olhar com o de Alice. Muitas vezes reclamei da
falta de liberdade quando estávamos juntos. Mas depois que ela se foi,
perdi a liberdade de cruzar meu olhar com o dela. Eu já ostentava outra ao meu lado e não era ela quem me proibia, era
a minha culpa, a minha saudade, a sua presença forte demais para mim. Havia uma mão enlaçada à minha quando a encontrei pela segunda vez, mas não foi por estar cego de amor que meu olhar
não conseguiu cruzar com o dela.
Talvez pela vergonha. Ou pela flor em seu cabelo. Foram dois segundos
dilacerantes, até ela baixar os olhos e eu não saber o que fazer com os meus... Subiu as escadas em minha direção e tudo o que eu consegui reparar foi a flor em seu cabelo. Alice nunca usou flores quando estávamos juntos. O que aquela flor fazia ali, e quem ela iria encontrar tão bonita? Por alguns segundos, esqueci que havia alguém ao meu lado, e
tentei disfarçar, sem falar com Alice, que simplesmente atravessou por mim, por dentro de mim, sem sequer tremer com minha presença e assim, me matou por dentro. Foi
inevitável escrever pedindo
desculpas.
Ela disse
o que pretendia, era o mesmo que eu. Dar-me um abraço, um beijo no rosto, perguntar sobre minha vida e ir embora. Na carta que trocamos, me explicou o quanto estava
feliz e o quanto gostaria de dividir isso
comigo. Mas
não pude lhe dizer a verdade, não pude lhe dizer o quanto me corroia essa sua felicidade. Não que eu não a quisesse vê-la bem, mas é que vê-la feliz significa que eu já não estou mais dentro dela...
Pedi a Alice que não nos falássemos,
tratei-a mal. E
não pude lhe dizer exatamente o porquê. Mas ficou claro que Alice ainda me
importa muito.
Quando a encontrei pela terceira vez, ela estava sorridente, e como sempre linda, era aquela Alice que conheci, mas estava abraçada a outro rapaz. Eu também estava com alguém. Ela já tinha me visto outras vezes, mas eu não. Era a primeira vez que a via beijando outra boca e
foi difícil fingir que ela não estava ali. Pensava se ela perceberia meu
incômodo, sentia
medo de transparecer. Mas é que
quanto mais finjo que Alice não existe, mais percebo sua presença. Quanto mais evito cumprimentá-la, mais a sinto ali. Quanto mais
tento fingir que ela não é ninguém, mas me lembro quem ela sempre foi pra mim.
Tento colocá-la no
passado, mas desse jeito a deixo
cada vez mais presente. Eu
gostaria de poder saber o que ela faz e como está,
mas ainda não posso.
Ela me disse, na tal carta que estava feliz. Eu também agora tenho alguém ao meu lado e
até estou feliz. Mas
é o até que incomoda.
Quando a encontrei pela quarta vez, ela estava comprando cigarros, o mesmo lugar onde durante anos comprou, o mesmo lugar que freqüentávamos juntos. Ela estava só e eu já estava
a alguns passos dela,
perto demais para poder voltar e longe demais para falar alguma coisa. Ela me olhou e nesse momento pensei em várias formas de dizer olá. Mas quando seus olhos atravessaram os meus como se eu não estivesse ali e se viraram para pegar o troco, senti
desespero e alívio simultaneamente. Ela atravessou a passos curtos e calmos o caminho de volta ao seu carro e passou por mim indiferente, simplesmente
como eu pedi. E tudo o que eu havia pensado em lhe dizer naquele momento foi adiado mais um pouco. Dei graças a Deus por não ter chegado a falar nada. Ainda virei para olhá-la, mas ela não, mesmo assim, sei que ela me viu fazer isso.
Não posso falar com Alice, porque
ainda me importo demais. Não posso dar o abraço que ela gostaria ou trocar frases simples e despretensiosas, porque ainda me incomodo em vê-la. Finjo que não a vejo, mas
não sei fingir tão bem quanto ela. E quanto mais tento ignorar Alice, mais percebo sua forte presença. E
é doído saber que para ela não há problema em falar comigo, porque isso significa que a perdi de vez.
Com a covardia que sempre me foi peculiar, escrevi-lhe a
última carta, denunciando todo o meu
amor: não quero ser teu amigo, não quero falar contigo. Continuo evitando te encontrar. Não cruzes teu olhar com o meu, Alice, por favor. Ver-te a vontade me deixa tão
desconfortável... É que ainda me importo demais. Tua presença é
mais forte que eu.
(Texto de Luly Mendonça, muito procurado nos últimos tempos e, enfim, resgatado pela Super Alê...)
Porque só quem tem uma Alice na sua vida, sabe a dor e a delícia de sentir a força de sua presença...